Elo Primitivo

domingo, outubro 31, 2004

V.I.B.R,A.Ç.Ã.O.






Cristo Redentor-Pão de Açúcar-Baia de Guanabara visão panorâmica da cama recém-acordada. Luz-brilho-solar reflexos da noite, sentidos em alerta, sem obstruções. Clara, livre da virose, das semanas híbridas, corpo se espreguiçando de-va-gar sob o lençol alvo, flagrante do ócio em grau máximo e mínima dispersão. Cheiro de ambigüidade na manhã de hoje-amanhã-depois. Bem-te-vi na varanda, cortinas escancaradas, fios de alvorada des-tecendo sei-lá-o-quê. Mãos em íntimas especulações diante do corpo decifrado em autobiografia. Indícios caprichosos de pulmões, diafragma vez por outra trans-formado. Clara inspirava a falta de si mesma forçando-se à desestabilização. Investigava a fonte aqui e ali, plenitude perdida-buscada em um outro-eu-não-eu. O ritmo invadia surpreso com a infusão de líquidos sem constrangimento. Medo + força; coragem + paralisia esperando o calor ordenar o momento de renascer, sair da casca, repelir fugas daquele faz-de-conta-felizes-(in)-para-sempre. Nessa manhã, vestida de verdade, Clara se fez inteira e recoberta de tudo-junto-confuso encontrou seu umbigo onde não procurava. Era longo o caminho entre o real e o virtual saber indi-vidual.
Cobriu a cabeça e esperou quieta, engolindo todos os fantasmas, a garganta queimando, estômago embrulhado, dor irradiando pela perna até extrem-idades. Não cortou de véspera, digeriu-as. Evaporaram-se em seu tempo, como estátuas de gelo expostas ao sol.
Enquanto os olhos novamente se abriam, agora em manhã-hoje-luz, a água fervia na cozinha em infusão no pó, cheiro do café pelo corredor em nuvem invisível.
Clara ali, no ponto mais alto sozinha, pouco a pouco acompanhando-se; noites-bem-dormidas, projetos-por-experimentar, rebentos multicolores, cercada de flores por todos os lados.
Espreguiçou-se, a camisola de seda verde roçando no algodão branco, lânguida, sorriso-3/5-boca-fechada, colhendo pedaços de sei-lá-o-quê, desses momentos em que ventos, cores, infâncias, sorrisos, ruídos, chegadas, partidas, permanências, lápis, borracha, língua, futuro, febres, arroz, feijão, passeios, viagens, capelas, parques, nuvens, relâmpagos, queijo, feira, faca, mola, ímã, geladeira, impossibilidades, pedra, pipa, pipoca dão as mãos, formando um arco-íris dentro da gente. Esse colorido que dura não-sei-quanto e faz valer à pena. A perigosa tal-felicidade livre de máscaras. Clara percebia-se maior, preciosa, vivenciava-se entre elos fortificados; sozinha, sempre estaria, acompanhada, alguns-tantos. Era feita de encontros, incorporaram-se a ela, argila, reforçavam-se chuva, música, pessoas por conhecer, papel solto, fotografias, blusa rosa, calça amarela, anjos, sorrisos infantis, pequeninas mãos enlaçadas em abraços, cheiro de milho verde, cidades inventadas, sinos desdobrados, pássaros em vôo, breve, libélulas, eternidades. Bom saber-se assim, bom guardar-se assim, todo o resto não importava mais e ponto final,

sábado, outubro 30, 2004

Ganhadores das bolsas dos Veredas da literatura

PublishNews - 27/10/2004
Chegou ao final o processo que escolheu os dois ganhadores das bolsas FLIP de criação literária promovidas pela Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) com patrocínio da Vivo. Os vencedores foram o carioca Antonio Dutra e a mineira Christiane Tassis, escolhidos por um júri composto por Sérgio Sant'Anna, Maria Esther Maciel e Manuel da Costa Pinto. "Veredas da Literatura" é o nome do projeto que reuniu pela primeira vez uma trupe de aproximadamente 60 autores inéditos, vindos de diversas partes do país, durante três dias da FLIP (dias 8, 9 e 10 de julho) para uma oficina literária que este ano contou com a participação do escritor Milton Hatoum. Além de promover o encontro desses novos autores com escritores consagrados, a iniciativa tem por objetivo principal revelar novos talentos literários e contribuir para a publicação de seus livros. Para tanto, os dois vencedores ganham uma bolsa de R$ 12 mil, pagas em oito meses, tempo que terão para finalizar seus projetos e, se possível, publicar em prazo factível para um possível lançamento na próxima FLIP, quando participarão ativamente da Festa como convidados. Para garantir a total independência do resultado, o júri em momento algum teve acesso aos nomes dos candidatos. As editoras interessadas na publicação dos dois autores devem procurá-los diretamente ou, se preferirem, entrar em contato com a diretoria da FLIP ou com a Comissão Organizadora da oficina Veredas da Literatura. Os organizadores ressaltam que os autores terão total liberdade para escolher as editoras de sua preferência.

terça-feira, outubro 26, 2004

Cartas de Amor


No dia 11/8/04 assisti no Centro Cultural do Correios:
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Cartas de Amor na Literatura.
Leitura dramatizada: Antonio Calloni.
Comentários: Ana Cristina Chiara sobre as cartas de amor trocadas entre Graciliano Ramos e Heloísa Medeiros.

Transcrevo algumas anotações:

“O amor-paixão precisa se expressar, é uma força que necessita se manifestar, existe todo um código amoroso: estilo fragmentário, indeciso, suspensivo. É o refugo da boa comunicação. A carta de amor se inscreve sobre detritos. É o ouro escondido. Não importa o que é dito, é o pulso de algumas palavras que o outro vai ficar buscando nos escritos. É a materialização da espera, da expectativa, do amor-paixão. João Cabral de Melo Neto fala em palavras lâminas, palavras cirúrgicas.

Algumas palavras brilham num texto.

Lidar com contradições, às vezes, é insuportável esse amor-paixão. Quando, nesse estado de apaixonamento, diz-se: vá embora, te odeio, tudo acabou... na verdade está dizendo: morro por você.

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O amor para Graciliano Ramos é um espanto, é uma perturbação terrível. Ele é pego de surpresa. A exclamação é a embriaguez amorosa. É estar perdido num redemoinho de pensamentos, em certezas que se alternam a cada minuto, a cada tentativa de decifrar esses símbolos amorosos, é o inferno de Dante. É a metáfora da queda.
Nos estudos de Platão, o amor está sempre ascendente. O amor é que proporciona ao homem se elevar a outros planos, a outras conquistas.
O sujeito que ama está sempre falando para alguém que não ouve, porque o outro não consegue expressar o sentimento, é sempre insuficiente, jamais preenche às expectativas, não importa o quanto o outro se esforça, jamais será suficiente: é o silêncio do outro. Nada pode preencher essa carência e é por isso que não dura muito, segundo Graciliano Ramos, no máximo dois meses, porque ninguém é capaz de viver nessa aflição por muito tempo sem enlouquecer.
A linguagem de expressão no amor-paixão é de curto-circuito. É o medo de perder o controle sobre si mesmo, o desconcerto. Algo está ameaçando as certezas dele. Ela ainda é um receptáculo fechado, um mistério para ele. Instabilidade dele. O sujeito que ama está sempre na dependência do outro ( mito de Andrógena ). O princípio feminino – nunca se revela totalmente. Graciliano diz: ‘Você é uma multidão.’ ”

Trecho da carta de Graciliano para Heloisa:

“Tenho observado nestes últimos tempos um fenômeno estranho: as mulheres morreram. Creio que houve uma epidemia entre elas. Depois de dezembro foram desaparecendo, desaparecendo e agora não há mais nenhuma. Vejo, é verdade, pessoas vestidas de saia pelas ruas, mas tenho a certeza de que não são mulheres. Esta observação vai como resposta à censura que me fazes de viver a “pensar meninices”. Quero ver se ainda vais me acusar depois de uma declaração tão importante. Morreram todas. E aí está explicada a razão porque tenho apego à única sobrevivente.
A angústia acabou-se depois de tua penúltima carta. Sinto-me quase tranqüilo. E se a tranqüilidade não é completa, devo isso à desgraçada lembrança que tiveram de prender-me exatamente na véspera do dia em que ia abraçar minha idolatrada noiva...”

sábado, outubro 23, 2004

O GUARDADOR DE REBANHOS

Alberto Caeiro
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V

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
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O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
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Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
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Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar.
É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
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O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol.
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
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Metafísica?
Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
>
"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
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Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
>
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
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Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
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(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
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Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
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Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
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E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
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sexta-feira, outubro 22, 2004

Ultrapasse-se...

Essa matéria foi publicada no O Estado de S. Paulo de hoje. A iniciativa é genial! Que venham outras soluções criativas unindo poesia ao cotidiano, solidariedade à vida, generosidade às relações humanas.
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"É como se fosse um rolo de esparadrapo, daqueles que se compram em qualquer farmácia da cidade. A diferença é que em vez de pedaços de curativos, o que se têm são pequenos adesivos estampados com poesias para crianças. O "livro em rolo", batizado de Poemas Esparadrápicos (R$ 15, à venda apenas na Livraria Cultura) é uma iniciativa dos Doutores da Alegria, instituição formada por 37 atores/palhaços que há 13 anos diverte crianças hospitalizadas. Os poemas-adesivos (12 deles inéditos) foram criados por 14 autores, entre nomes consagrados e jovens escritores, como Tatiana Belinky, Ricardo Azevedo, Ângela Lago e Fernando Paixão. O lançamento de Poemas Esparadrápicos acontece neste sábado, dia 23, às 16h na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos (Av. Nações Unidas, 4.777, 2º piso, 11-3024-3599)."

quinta-feira, outubro 21, 2004

Arthur Rimbaud


"França celebra os 150 anos do poeta Arthur Rimbaud CHARLEVILLE-MEZIERES, França, 20 out (AFP) - A França comemora nesta quarta-feira os 150 anos de nascimento de um dos seus mais famosos poetas, Arthur Rimbaud, autor de "Uma Temporada no Inferno", inaugurando em sua cidade natal, Charleville-Meziers (leste), a Maison Rimbaud.Charleville-Mezieres, onde o poeta nasceu em 20 de outubro de 1854, uniu-se nesta celebração à cidade etíope de Harar, onde Rimbaud passou seus últimos anos de vida antes de ser repatriado, já muito doente, a Marselha, onde morreu de câncer em 1891, aos 37 anos."Há 30 anos dizíamos que era necessário fazer alguma coisa comum entre Charleville e Harar. Hoje assentamos as bases", disse a prefeita da cidade, Claudine Ledoux, ao anunciar a assinatura de um acordo de cooperação cultural com a Etiópia.Nas primeiras horas da manhã, a delegação etíope visitou a casa às margens do rio Meuse, onde o escritor passou a adolescência, seu período mais fértil na carreira literária.Ali Arthur Rimbaud viveu entre os 15 e os 21 anos, fugindo muitas vezes, mas sempre voltando para casa."É exatamente o período da escrita, a época dos sonhos, seu tempo mais fértil", reitera Alain Tourneux, curador do museu.Toda a obra daquele que é considerado um dos mais deslumbrantes poetas franceses foi escrita neste período da sua vida.Depois, sua pena silenciaria para sempre, preferindo as viagens e aventuras: Inglaterra e Bélgica primeiro, depois Indonésia, Alemanha, Dinamarca, Egito, Chipre e Etiópia, onde se dedicou ao comércio e ao tráfico de armas.Para recriar a efervecência poética que dominou Rimbaud durante a adolescência, a cidade de Charleville-Mezieres, que comprou a casa andar por andar entre 1998 e 2002, decidiu criar diferentes ambientes ao invés da clássica decoração dos museus."Rejeitamos deliberadamente toda cenografia baseada no concreto, Não queríamos exibir os móveis da mãe do poeta, nem a escrivaninha ou a cama de Rimbaud. Queríamos mostrar o que podia lhe passar pela cabeça", disse Tourneux.Desta forma, a casa só é ocupada por imagens e sons. Nove artistas, entre compositores, escritores, pintores e cineastas, trabalharam vários meses para recriar a atmosfera de Marselha, Bruxelas, África...Nas janelas de cada quarto, grandes placas de vidro colorido imprimem um ambiente especial. No chão, uma serigrafia do mapa da cidade. Nas paredes, vários alto-falantes reproduzem ruídos, músicas, gravações de poemas."São camadas sonoras: ouve-se a voz de (o escritor e amante Paul Verlaine) ou da mãe do poeta. É uma verdadeira experiência sensorial", diz Tourneux.Para a celebração, foram programados também outras exposições, colóquios, conferências e peças de teatro em toda a França."
Por Katell Abiven

quarta-feira, outubro 20, 2004

O Amor

Adélia Prado


A formosura do teu rosto obriga-me
e não ouso em tua presença
ou à tua simples lembrança
recusar-me ao esmero de permanecer contemplável.
Quisera olhar fixamente a tua cara,
como fazem comigo soldados e choferes de ônibus.
Mas não tenho coragem,
olho só tua mão,
a unha polida olho, olho, olho e é quanto basta
pra alimentar fogo, mel e veneno deste amor incansável
que tudo rói e banha e torna apetecível:
cadeiras, desembocaduras de esgotos,
idéia de morte, gripe, vestido, sapatos,
aquela tarde de sábado,
esta que morre agora antes da mesa pacífica:
ovos cozidos, tomates,
fome dos ângulos duros de tua cara de estátua.
Recolho tamancos, flauta, molho de flores, resinas,
rispidez de teu lábio que suporto com dor,
e mais retábulos, faca, tudo serve e é estilete,
lâmina encostada em teu peito. Fala.
Fala sem orgulho ou medo
que à força de pensar em mim sonhou comigo
e passou o dia esquisito,
o coração em sobressaltos à campainha da porta,
disposto à benignidade, ao ridículo, à doçura. Fala.
Nem é preciso que amor seja a palavra.
"Penso em você" – me diz e estancarei os féretros,
tão grande é a minha paixão.


segunda-feira, outubro 18, 2004

Ela - Cláudia


A bomba explodiu, chegou no conforto de casa, num envelope pardo. Todos os sonhos se desfizeram, reencontros desativados, tudo finito nessa nossa inadiável finitude foi revelado na segunda-feira ao meio-dia. Ela foi à praia, como sempre fazia em horas difíceis, como se o mar pudesse afastar tudo de ruim ou trazer tudo de bom. Deixou o emprego de lado, isso não importava mais, nada importava mais, a não ser a certeza de que partiria e de que continuaria a sentir saudades eternamente, onde quer que se encontrasse num futuro próximo, anunciado em letras de forma no papel sem cheiro, sem cor e sem poesia, como o cotidiano nosso de cada dia...

E quando estava deitada na areia, de top less se lixando para quem quer que fosse, o celular tocou. Era do laboratório, a secretária pedia mil desculpas, greve de ônibus, confusão total, entregou o exame errado. Leu o diagnóstico pelo telefone: nada consta. Ela vestiu o biquíni correndo e engatou a quinta marcha.
No sinal vermelho olhou as notas da agenda: quatro desejos inadiáveis, uns abraços em suspenso, a viagem à Grécia. Os malabares jogavam bolinhas amarelas, quatro, que se revezavam entre a segurança das pequenas mãos e a dança no ar. Lambeu o braço, o menino deixou a bolinha cair, riu. Salgado, ela disse, tô vindo da praia. Arruma uma moeda, tia? Cláudia, é Cláudia o meu nome. Toma. Valeu!
Cláudia ligou pra chefe, dizendo que precisava de folga: problemas de saúde, compenso no sábado. Desligou. Naquele sabor de maresia se reconhecia, permanecia. Abriu a agenda, cheirou a folha com o Sol desenhado no canto esquerdo, começou pelo primeiro e mais urgente dos seus desejos...

domingo, outubro 17, 2004

Domingo no parque


Depois de um sábado intenso com Sándor Márai, o domingo tinha que ser leve, ao ar livre, por favor. Fui ao Museu da República, efervescência cultural por todos os lados: teatro nos jardins, roda de samba com repertório de Cartola, Noel Rosa, Paulinho da Viola etc _ ótimo livro é “Heranças do Samba” ed. Casa da Palavra. Almoço no Bistrô, reflexão na exposição sobre Getúlio Vargas _curadoria bem executada, com efeitos especiais sonoros e sensoriais, compartilhando com os expectadores a angústia dele antes de entrar no quarto em que ocorreu o suicídio. Fiquei lá, olhando os espelhos dos armários, a cama, o lustre de cristal, a mobília, reconstituindo inutilmente pensamentos que ninguém jamais conhecerá.
Por fim, comprei ingresso, despretensiosamente, para “Reconstrução de um Amor - Reconstruction”, sueco, direção de Christoffer Boe. Filmaço! Poesia pura! belíssima fotografia, intenso até os ossos, mas valeu a pena. Ganhou a Câmara de Ouro em Cannes 2003. Cada vez mais essa frase se reforça em mim: A vida não é Hollywood, é Cannes nua e crua.
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"É um filme, é uma montagem, mesmo assim dói."
"Se ele duvidar, se hesitar por um minuto, ela desaparecerá."

sábado, outubro 16, 2004

Auguries of innocence

William Blake
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To see a World in a Grain of Sand
And a Heaven in a Wild Flower
Hold infinity in the palm of your hand
And Eternity in an hour
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Para Ver um Mundo num Grão de Areia
E um Paraíso numa Flor Silvestre
Segure o Infinito na palma de sua mão
E a Eternidade em uma hora

sexta-feira, outubro 15, 2004

As Brasas

Sándor Márai
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Mas Konrad tinha um refúgio para onde o amigo não podia segui-lo: a música. Era como se dispusesse de um esconderijo secreto em que a mão do mundo não pudesse alcançá-lo... Sentia a música com todo o seu corpo, nela bebia como um sedento, escutava-a como um prisioneiro que apura o ouvido ao som de passos que se aproximam e que talvez lhe tragam a notícia de sua libertação ...a música dissolvia tudo ao seu redor, abolindo por instantes as leis daquele pacto artificial...
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Da música parecia se desprender uma força mágica capaz de levantar os móveis e inflar as pesadas cortinas de seda das janelas. Era como se todas as coisas velhas e mofadas, enterradas há tempos nos corações humanos, recomeçassem a viver, como se no coração de cada criatura se aninhasse um ritmo mortal que, em dado momento da vida, poderia começar a pulsar com violência implacável. Os pacientes ouvintes compreenderam que a música representava um perigo. Mas a mãe e Konrad, sentados ao piano, já não ligavam para esse perigo. A Fantaisie polinaise era só um pretexto para a explosão de forças que se agitam e fazem eclodir tudo o que costuma ser cuidadosamente camuflado pela ordem estabelecida...
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Konrad temia a música, com a qual cultivava uma relação secreta, que envolvia não só seu espírito mas também seu corpo: como se o sentido mas profundo da música consistisse numa espécie de imposição fatal que pudesse desviá-lo de sua trajetória e quebrar alguma coisa dentro de si...
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Ed. Companhia das letras, pgs 41 a 46

quarta-feira, outubro 13, 2004



Barroco – séc XVI – Tensão entre o civilizado e o primitivo. Predominância de curvas em detrimento de linhas retas. A genialidade de Bach. Um esboço de poema:




Esvaziando
palavras
uma a uma
todas
caladas
desfazendo-se
refazendo-se
amplexo
passos cambaleantes
invisíveis
válvulas de escape
encapadas
– Poemas –
jorram versos
febris
traduzindo sem
ler
geografia onde não se
reconheça
encostas onde se

literatura súbita,
mais,
releitura do
clássico

Boa Viagem


Ei, psiu… é, você mesmo, você, do outro lado da tela. Não vê a hora de arrumar a mala e sair por aí? Vem comigo… Ãh? O que te ofereço? Pode escolher. Sério, não é brincadeira. Quer sugestões? Uhumm... tudo bem, lá vai :
1)Excursões – roteiros pré-aprovados, válida para qualquer um que possua cartão de crédito;
2) Virtuais – conheça o mundo no conforto de sua casa sem variações climáticas;
3) Intergaláctica – exige pré-requisitos (consultar subitens do manual);
5) Literária, cinematográfica ou musical : 95459 indicações de títulos de acordo com a escolha prévia (download) _ passagem só de ida;
6) Sexual – sem contatos desnecessários a exposições viróticas;
7) Surpresa – estará por sua conta e risco.

Bom, não preciso ficar aqui, listando opções e mais opções de roteiros, clique no menu. São milhares como você já deve saber. Há ainda a opção: * , mas essa eu nem mencionei porque não tem sido muito usada. Então, está esperando o quê? Importante: não nos responsabilizamos por danos à consciência. Divirta-se…

* Construa seu itinerário.

sábado, outubro 09, 2004

Afinidade

Li esse texto anos atrás e reli há algumas semanas no Epiderme. Continua me encantando.
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Afinidade
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Artur da Távola
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"Não é o mais brilhante, mas é o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos. Não importa o tempo, a ausência, os adiantamentos, as distâncias, as impossibilidades.
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Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto onde foi interrompido.
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Afinidade é não haver tempo mediante a vida. É a vitória do adivinhado sobre o real, do subjetivo sobre o objetivo, do permanente sobre o passageiro, do básico sobre o superficial.
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Ter afinidade é muito raro, mas quando ela existe, não precisa de códigos verbais para se manifestar. Ela existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixam de estar juntas.
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Afinidade é ficar longe, pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem, sensibilizam.
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Afinidade é receber o que vem de dentro com uma aceitação anterior ao entendimento.
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Afinidade é sentir com... Nem sentir contra, sem sentir para... Sentir com e não ter necessidade de explicação do que está sentindo. É olhar e perceber.
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Afinidade é um sentimento singular, discreto e independente. Pode existir a quilômetros de distância, mas é adivinhado na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
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Afinidade é retomar a relação no tempo em que parou. Porque ele (tempo) e ela (separação) nunca existiram. Foi apenas a oportunidade dada (tirada) pelo tempo para que a maturação pudesse ocorrer e que cada pessoa pudesse ser cada vez maior."
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sexta-feira, outubro 08, 2004

Eclipse total lunar

Entrei no site do MAST e fiquei tentada, pena que nesse dia não dá para mim. Mas quem puder, é imperdível!
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MAST promove palestra e observação do céu no dia do eclipse total lunar

"Na noite do dia 27 de outubro, quando todo o Brasil vai olhar o céu para contemplar o eclipse total da Lua, os visitantes do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) terão uma visão privilegiada desse belo fenômeno celeste. O MAST convida a todos, crianças e adultos, para sua programação especial dentro do evento “Brasil, olhe para o céu!”. No campus do museu, o público poderá observar o eclipse pelos telescópios e pela luneta Heyde, de 1922, e vai conferir também uma palestra especial sobre o fenômeno.
A programação começa às 19h com palestra do Astrônomo Dr. Marcelo Borges Fernandes. Pós-doutorando do Observatório do Valongo (UFRJ), ele fará uma apresentação sobre eclipses, destinada ao público em geral, no auditório do MAST.
Em seguida, às 20h, os visitantes se dirigirão ao campus, onde poderão acompanhar o eclipse total lunar. Telescópios estarão disponíveis ao público, assim como a luneta Heyde, de 1922. A observação do céu seguirá até às 2h, sempre com o auxílio de astrônomos e monitores do MAST, disponíveis para tirar dúvidas e manipular os equipamentos."

quinta-feira, outubro 07, 2004

Prêmio Nobel de Literatura

Fonte: PublishNews - 7/10/2004 - por Carlo Carrenho
"Por seu fluir musical de vozes e contra-vozes em romances e peças de teatro que com extraordinário cuidado linguístico revelam o absurdo dos clichês e da força subjugadora da sociedade." Foi assim que a Academia Sueca justificou hoje a escolha da austríaca Elfriede Jelinek como a décima mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Nascida no dia 20 de outubro de 1946 na cidade austríaca de Mürzzuschlag, Elfriede cresceu e estudou em Viena. Desde pequena estudou piano e órgão, chegando a estudar composição no Conservatório de Viena. Mais tarde, estudaria Teatro e História na Universidade de Viena sem jamais abandonar seus estudos de música. Elfriede Jelinek começou a ! escrever poesia ainda jovem e estreou na literatura com a coleção Lisas Schatten em 1967. Através do contato com o movimento estudantil, sua produção literária tomou uma direção de crítica social. Em 1970 surgiria seu romance satírico Wir sind lockvögel baby!. Assim como Michael: Ein Jugendbuch für die Infantilgesellschaft, romance que seria publicado no ano seguinte, a obra de 1970 tinha um caráter de rebelião linguística e abordava a cultura popular e a apresentação mentirosa de uma boa vida. Depois de passar alguns anos em Berlim e Roma, na década de 1970, Jelinek casou-se com Gottfried Hüngsberg e passou a dividr seu tempo entre Viena e Munique. Ela conquistou o público de língua alemã com seus romances Die Liebhaberinnen (1975), Die Ausgesperrten (1980), e o livro autobiográfico Die Klavierspielerin (1983), que, em 2001, foi transformado no aclamado filme A professora de Piano (La pianiste, 2001) do diretor austríaco Michael Ha! nekefilm. A escritora austríaca nunca foi publicada no Brasil. Há, no entanto, edições portuguesas de A Pianista (Edições Asa, 338 pp., 14,86 euros) e de Lust (Editorial Estampa, 13,20 euros). Ambas as obras estão esgotadas em Portugal, mas as casas lusitanas correm agora para reimprimi-las. A Editorial Estampa promete uma reedição de Lust já para a próxima semana. Elfried Jelinek, sempre é bom lembrar, leva para casa um cheque no valor de US$ 1,3 milhão. "

quarta-feira, outubro 06, 2004

( ) Dedos ( ) anéis ( )...

Vão-se os anéis, ficam-se os dedos? Vão-se os dedos, ficam-se os anéis?
Vão-se os anéis e os dedos? Vão-se, ficam-se anéis e dedos?
Qual é o vão que fica?
O que fica é vão? É em vão o que fica?
Entre dedos e anéis: vão.
Vambora? ou Vaimbora?
Há outros vãos neste vão?

segunda-feira, outubro 04, 2004

Nos ímãs da geladeira...

"Sem música a vida seria um erro." Nietzche
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"Eu senti antes de pensar." Rousseau
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"Tudo vale a pena quando a alma não é pequena." Fernando Pessoa
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"O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas." José Saramago.
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sexta-feira, outubro 01, 2004

Bagdá

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.............
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................................................................Ida
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........................................ Sol
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.
.
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..........................lida
.
.
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.................................................................. liso
.
.
.
.
.............Adão
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,
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.................................. Solidão