Elo Primitivo

quarta-feira, abril 07, 2004

Passagens Secretas

Hoje não fui caminhar, tirei a manhã para brincar, assim, eu, meus filhos e uma sobrinha querida, fomos desvendar a caverna na praia da Boa Viagem. A imaginação logo voou, lembrei histórias de Aladim, falei sobre tesouros e palavras secretas. Meus filhos, familiarizados com o universo da fantasia, logo embarcaram no mundo da imaginação. Mas, a sobrinha da mesma idade, foi logo dizendo: “Isso tudo é bobagem, não existe.” Não? Inventei histórias que desafiavam a razão e, já no caminho de volta ela encontrou no chão um elástico de cabelo dourado, correu para meus braços com os olhos brilhando e falou: “Olha, um tesouro!”

Então, questionei: Será realmente imaginação? Olhei para cima e percebi que estava sentada sob um tesouro arquitetônico, o MAC projetado por Niemeyer. Pensei que a beleza estivesse ali, mal sabia o que me aguardava à noite.

À tardinha, calcei o tênis e fui andando à exposição do Lúcio Costa, no MAC. Chegando perto, holofotes chamavam atenção. A música começou a tocar no exato instante em que passei pelo portão. Não havia mais cadeiras disponíveis, sentei no chão.

O volume do som aumentou, um visual deslumbrante da noite se anunciava. A premunição da manhã se materializava.
Quatro moradores de rua enrolados em seus cobertores, com canecas e pratos de alumínios, espalharam jornais e deitaram há um metro de mim. Fiquei tão tocada com a cena, que naqueles 30 segundos revi o mundo e meus valores.

Aos poucos, percebi do que se tratava. Uma dramatização de poemas e poesias. Um dos espetáculos mais lindos que tive o privilégio de assistir.
Estranho, é que logo no início achei semelhante com Cats, musical da Broadway. Estranho, porque não dá para comparar uma superprodução com um grupo de teatro amador. Estranho, porque a razão tenta achar explicação para sentimentos.
A semelhança, percebo, foi a forte emoção em ambos espetáculos. A imprevisibilidade do que senti, uniu-os em meu subconsciente.

Eu me emocionei, a princípio, não sabia bem por quê. Com o desenrolar das cenas, algumas coisas foram desvendadas.
Minha solidariedade pelas classes oprimidas, desprezo pelos corruptos que abortam dignidade da sociedade _ somente pelo prazer de ter e adquirir o que jamais serão. Tiram médicos dos hospitais, professores de escolas, bibliotecas das crianças._ Meu amor pela poesia, pela literatura. Tentativas de falar sobre o que valesse à pena.

Forças ocultas deram-se as mãos .

Pensei na sobrinha. Quando a questionei sobre a veracidade dos tesouros escondidos, eu mesma duvidei. Mal sabendo que horas depois, metros acima de onde estávamos, um dos maiores tesouros seria revelado.
Uma frase que escutei quando ainda era criança me vem à memória: “ A mulher inteligente toma atitudes...” antes de completar o raciocínio, percebo que fazer escolhas inteligentes nunca foi meu foco de vida. Quero caminhos que me levem à felicidade, mesmo que seja através de escolhas estúpidas aos olhos da sociedade. Qual o conceito de inteligência e burrice mesmo?

A passagem secreta, por algum motivo foi por mim aberta. Sentimentos, energias, ventos, mudaram de direção, vieram me convidar a conviver com príncipes e mendigos, reis e lacaios, paixões, amores e projetos que unem seres humanos, seres desejantes, seres amantes a serem sementes que germinarão na mesma terra, embora em momentos diferentes.


Saio da caverna, recebo um anel cor de rosa _ presente feito pela sobrinha e pelo primogênito_ agora sei que a passagem existe. Sento ao lado deles e com as mãos sobre a caixa de miçangas começo a brincar:

Abracadabra, pir-lim-pim-pim, zim-za-la-bim ...