Elo Primitivo

terça-feira, outubro 26, 2004

Cartas de Amor


No dia 11/8/04 assisti no Centro Cultural do Correios:
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Cartas de Amor na Literatura.
Leitura dramatizada: Antonio Calloni.
Comentários: Ana Cristina Chiara sobre as cartas de amor trocadas entre Graciliano Ramos e Heloísa Medeiros.

Transcrevo algumas anotações:

“O amor-paixão precisa se expressar, é uma força que necessita se manifestar, existe todo um código amoroso: estilo fragmentário, indeciso, suspensivo. É o refugo da boa comunicação. A carta de amor se inscreve sobre detritos. É o ouro escondido. Não importa o que é dito, é o pulso de algumas palavras que o outro vai ficar buscando nos escritos. É a materialização da espera, da expectativa, do amor-paixão. João Cabral de Melo Neto fala em palavras lâminas, palavras cirúrgicas.

Algumas palavras brilham num texto.

Lidar com contradições, às vezes, é insuportável esse amor-paixão. Quando, nesse estado de apaixonamento, diz-se: vá embora, te odeio, tudo acabou... na verdade está dizendo: morro por você.

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O amor para Graciliano Ramos é um espanto, é uma perturbação terrível. Ele é pego de surpresa. A exclamação é a embriaguez amorosa. É estar perdido num redemoinho de pensamentos, em certezas que se alternam a cada minuto, a cada tentativa de decifrar esses símbolos amorosos, é o inferno de Dante. É a metáfora da queda.
Nos estudos de Platão, o amor está sempre ascendente. O amor é que proporciona ao homem se elevar a outros planos, a outras conquistas.
O sujeito que ama está sempre falando para alguém que não ouve, porque o outro não consegue expressar o sentimento, é sempre insuficiente, jamais preenche às expectativas, não importa o quanto o outro se esforça, jamais será suficiente: é o silêncio do outro. Nada pode preencher essa carência e é por isso que não dura muito, segundo Graciliano Ramos, no máximo dois meses, porque ninguém é capaz de viver nessa aflição por muito tempo sem enlouquecer.
A linguagem de expressão no amor-paixão é de curto-circuito. É o medo de perder o controle sobre si mesmo, o desconcerto. Algo está ameaçando as certezas dele. Ela ainda é um receptáculo fechado, um mistério para ele. Instabilidade dele. O sujeito que ama está sempre na dependência do outro ( mito de Andrógena ). O princípio feminino – nunca se revela totalmente. Graciliano diz: ‘Você é uma multidão.’ ”

Trecho da carta de Graciliano para Heloisa:

“Tenho observado nestes últimos tempos um fenômeno estranho: as mulheres morreram. Creio que houve uma epidemia entre elas. Depois de dezembro foram desaparecendo, desaparecendo e agora não há mais nenhuma. Vejo, é verdade, pessoas vestidas de saia pelas ruas, mas tenho a certeza de que não são mulheres. Esta observação vai como resposta à censura que me fazes de viver a “pensar meninices”. Quero ver se ainda vais me acusar depois de uma declaração tão importante. Morreram todas. E aí está explicada a razão porque tenho apego à única sobrevivente.
A angústia acabou-se depois de tua penúltima carta. Sinto-me quase tranqüilo. E se a tranqüilidade não é completa, devo isso à desgraçada lembrança que tiveram de prender-me exatamente na véspera do dia em que ia abraçar minha idolatrada noiva...”