Elo Primitivo

sábado, novembro 20, 2004

Cartas de Monteiro Lobato a Rangel *


E foi assim que tudo começou...


"Fazenda, 8,9,1916


Rangel

/.../ Ando com várias idéias. Uma: vestir as velhas fábulas de La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades. Coisas para crianças. Veio-me diante da atenção curiosa com que meus pequenos ouvem as fábulas que Purezinha lhes conta. Guardam-na na memória e vão recontá-las aos amigos – sem no entanto prestarem atenção à moralidade, como é natural. A moralidade nos fica no subconsciente para ir se revelando mais tarde, à medida que progredimos em compreensão. Ora, um fabulário só nosso, com bichos daqui em vez dos exóticos, se for feito com arte e talento dará coisa preciosa... Que é que nossas crianças podem ler? Não vejo nada. Fábulas assim seriam o começo da literatura que nos falta. Como tenho talento para impingir gato por lebre, isto é, habilidade por talento, ando com idéia de iniciar a coisa. É de tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a iniciação de meus filhos. Mais tarde só poderei dar-lhes o Coração de Amicis – um livro tendente a formar italianinhos...

Lobato”



"São Paulo, 9,2,1921

Rangel,

/.../ Mando-te o Narizinho escolar. Quero tua impressão de professor acostumado a lidar com crianças. Experimentei nalgumas, a ver se se interessam. Só procuro isso: que interesse às crianças.

Lobato”


"Rio, 7,5,1926

Rangel,

/.../Ando com idéias de entrar por esse caminho: Livros para crianças. De escrever para marmanjos já enjoei. Bicho sem graça. Mas para as crianças, um livro é todo um mundo. Lembro-me de como vivi dentro do Robson Crusoe do Laemmert. Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim morar, como morei no Robson e nos filhos do Capitão Grant.”
* Lobato, Monteiro. A Barca de Glever 8. ed. São Paulo, Brasiliense, 1956.
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Lendo as cartas de Monteiro Lobato senti uma urgência em homenagear Maria José Dupré. “A Montanha Encantada” foi o primeiro livro que se fez morada em mim aos oito anos. Aliás, acabei de me lembrar que tentei escrever um livro assim que terminei essa leitura encantada. Coisa de criança, já tinha até me esquecido. Tive o prazer de reler este livro para meus filhos há pouco tempo, que maravilha! Reviver nos olhos deles a emoção que senti lá atrás, a expectativa de cada capítulo, a identificação com os personagens ... é... clássicos pessoais são paixões que não se explicam, perpetuam-se e pronto.