Elo Primitivo

sábado, janeiro 15, 2005

Folhas soltas




Escreve em folhas soltas, nunca em caderno. Tem esperança de se perder por aí. Dissolver-se em gotas de chuva, tempestades, urinas em postes, restos de garrafas tombadas por mãos dormentes.
Faz 3, 4 coisas ao mesmo tempo, não as termina. Em todas, a tentativa de esquecer , em todas, o encontro. Está sempre no meio, em trânsito. O que pulsa renasce sem disfarce, embora disfarce seja o nome dessa dor.
Ontem, andava a 140 Km pela BR-101. 6 horas sem paradas. “Jogando, a pessoa não sente o tempo passar.” Disse o cara do cyber-café lotado diante do espanto com a fila de espera.
Acelera, vai a 160, disso não passa. Ultrapassa, muitos, filas deles. Pisar fundo é uma questão vital, se frear, dança.
Sente o ronco, 4ª marcha a 120 pra ganhar potência, motor no limite, caminhão na contra-mão acelerando também, chegando cada vez mais perto, crescendo, cada vez mais, em tamanho, avivando suas cores, vindo de frente, ao encontro, reflexo do sol no pára-brisa - brilho emprestado; engata a 5ª sob tensão e volta à pista da direita. Injeção de adrenalina na veia, encarou. Sente a vibração do monstro, frações de segundos após. Vidros fechados, ar-condicionado ligado, música alta, calor nas mãos. “Jogando, não se sente o tempo passar”.
Respira; cheiro de gasolina, forte. Atropela o asfalto cinza, escuro, áspero, esburacado, imperfeito, suficiente. Por baixo há terra vermelha, mais fundo: água, fluxos de vidas em movimento, reprodução em trânsito.
Escreve da última à primeira página do caderno. Sim, agora tem um caderno, folhas coloridas, pequeno, papéis soltos no meio dele – brancos. Escreve ao contrário “jogando, não se sente o tempo.”
Está sempre no meio, no engarrafamento, em trânsito, em esperança de se encontrar por aí, sentir o tempo de dentro.