O discreto milagre de Christo-
01.03.2005 No Mínimo - Paulo Roberto Pires
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No último fim de semana, foi dado o ponto final em The Gates, o monumental trabalho dos artistas Christo e Jeanne-Claude. Por 16 dias, 37 quilômetros de alamedas do Central Park foram salpicadas de açafrão, evocação culinária que a imprensa americana usou e abusou para definir a tonalidade das bandeiras alaranjadas que pendiam dos 7.500 portais de ferro que compunham a “instalação”. As aspas são necessárias, pois no mar de sem-gracice e picaretagem da arte contemporânea, qualquer macumba em canto de galeria é assim chamada – mas poucas intervenções, como a de Christo, realmente merecem este nome.Desde 1979 a dupla pretende instalar os portões no coração de Nova York, onde vivem hoje. Sucessões de prefeitos, políticos e ambientalistas, não necessariamente nesta ordem, deram sua contribuição à obscuridade impedindo por motivos diversos que a cidade fosse palco da intervenção. Neste meio tempo, Christo e Jeanne-Claude “embrulharam” a Pont-Neuf e o Reichstag e abriram 3 mil gigantescos ombrelones por cidades do Japão e da Califórnia. As imagens destas ações são fascinantes, mas dizem pouco, muito pouco do que representa este trabalho, mais radical do que parece e absolutamente perturbador.Por isso, os guardiões da estética, do bom gosto e da “arte” perdem boa chance de ficarem calados se criticam Christo sem experimentar o que ele propõe. Por definição, The Gates é uma excentricidade. Na prática, emociona como poucas obras de arte. Consegue mobilizar toda uma cidade em torno de cores, belamente inúteis, que balançam ao sabor dos ventos gélidos deste inverno. No sábado, dia 12 de fevereiro, os Gates foram desfraldados às 8 e meia da manhã diante de uma multidão de gente que parecia em êxtase, deixando em casa as carrancas e o ar taciturno e saindo à rua com sorrisos de verão.As crianças, acostumadas a um mundo menos brutal, nem ligavam tanto para os Gates. Mas os adultos percorriam o parque fascinados, deslumbrados como meninos, tirando fotos, tentando inutilmente mexer nas bandeironas, cujo efeito variava com sua disposição – suaves pinceladas se vistas contra o skyline, pontos delicados se observadas do terraço do Metropolitan ou agressivamente chamativas contra a superfície congelada dos lagos. Uma equipe de funcionários do projeto, vestindo coletes na cor das bandeiras, percorria permanentemente as alamedas munidas de varas retráteis para desembaraçar algumas bandeiras enroladas pelo vento – operação sempre aplaudida pelos visitantes. Mas isso é arte?, perguntam em coro e em dúvida Mr. & Mrs. Middleclass, jurando que seu filho adolescente poderia fazer melhor, pois desenha muito bem. Se arte pode ser entendida como uma proposta coletiva que mobiliza, emociona e liberta a imaginação, The Gates é arte – e de massa. Se não um artista, quem teria a iniciativa, esplendorosamente inútil, de pontuar uma paisagem tão perfeita com adornos que servem a nada mais do que a contemplação?The Gates é excepcional e já acabou. Quem viu, viu e não esquece jamais; quem não viu, babau. Sua efemeridade é, no entanto, menos um egoísmo dos artistas do que um convite ao devaneio. E se a sua cidade fosse, de um dia para outro, alterada por uma intervenção destas, destinada apenas a maravilhar?Gosto de imaginar a perfeição estética do Rio de Janeiro alterada, por uma mísera semana, pelo Christo. Já pensaram como ficaria Cristo, o Redentor, embrulhado por Christo, o malucão? Perdoem, mas uma experiência destas contagia – por isso é efêmera e única, por isso não cabe nas críticas de arte.
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