Paixão Pagu A autobiografia precoce de Patrícia Galvão
(...)Quantas vezes já havia morrido? Quantas vezes eu renascia do meu congelamento? Olhava complacente para todos os desastres anteriores. E percebia que me humanizava. Queria abraçar meu filhinho, mostrar-lhe a terra feliz da liberdade, aquele país miraculoso das histórias que eu lhe contava. Eu mesma duvidara dessa existência exata. E agora eu estava ali, extasiada. Não tinha a menor noção do ridículo. (...) quando senti que me puxavam o casaco. Era uma garotinha de uns oito ou nove anos em andrajos. Percebi que pedia esmola. Que diferença das saudáveis crianças que eu vira na Sibéria e nas ruas de Moscou mesmo. Os pés descalços pareciam mergulhar em qualquer coisa inexistente, porque lhe faltavam pedaços de dedos. Tremia de frio, mas não chorava com seus olhos enormes. Todas as conquistas da revolução paravam naquela mãozinha trêmula estendida para mim, para a comunista que queria, antes de tudo, a salvação de todas as crianças da Terra. E eu comprava bombons no mundo da revolução vitoriosa. Os bombons que tinham inscrições de liberdade e abastança das crianças da União Soviética. Então a Revolução se fez para isso? Para que continuem a humilhação e a miséria das crianças?
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É um livro que desestrutura.
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