Elo Primitivo

quinta-feira, julho 14, 2005

Saber ler

O Globo - 14/7/2005 - por Luis Fernando Veríssimo
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Salman Rushdie era para ser a estrela da terceira Festa Literária Internacional de Paraty que terminou neste domingo, e foi. Só decepcionou quem esperava que ele se comportasse como estrela. É um homem bem-humorado e afável e sua participação, lendo e comentando trechos do seu último livro e depois um trecho de Italo Calvino, foi um dos pontos altos de um acontecimento que de tantos pontos altos pareceu uma cordilheira. Outro pico do evento foi a palestra do Ariano Suassuna, cujo tema era para ser "Brasil, arquipélago de culturas" mas no fim foi o espetáculo de Ariano Suassuna sendo Ariano Suassuna, outro show inesquecível. Eu falei para um grande grupo de crianças na Flipinha, um programa paralelo dirigido a escolares da região, e uma das perguntas que vieram da platéia foi: "O senhor sabe ler?" Pergunta básica e perfeita e mais importante do que imaginava sua pequena autora. Ela checava minhas credenciais para ser escritor e estar ali mandando todos lerem. Saber ler não significa apenas ser alfabetizado ou interpretar um texto como faz o Salman Rushdie, que lê como o ator frustrado que confessou ser. Também significa saber ler a realidade à sua volta, como fazem David Grossman, que vive em Jerusalém e tenta se manter racional e humano em meio aos ódios dos dois lados, ou Mv Bill, que nasceu na Cidade de Deus e sobreviveu e hoje faz a leitura mais certa do que é ser negro e pobre no Brasil. E aprender a ler também significa descobrir escritores, como se faz na Flip. Saí de Paraty decidido a ler tudo que encontrar do Grossman e da Beatriz Sarlo, por exemplo. Poderia ter respondido à menina que não, ainda não sabia ler como deveria, mas que chegaria lá.
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Os grifos são meus.