Elo Primitivo

domingo, maio 30, 2004

Caminho das pedras

_Ainda não foi? _olha a mala no chão.
_Fui, mas no meio do caminho tinha uma pedra._seguro a chave de casa.
_A pedra do Drummond? Esqueceu seu livro?_olha minha mão.
_Não, a minha pedra. E era só minha, não tem nada a ver com você._olho nos olhos.
_Bebeu?_ não pergunta, eu proponho:
_Vamos brindar?_pego as taças.
_A quê?
_À vida, às pedras, ao amor._tim-tim.
_Ao retorno._tim-tim.
_Posso?_não pergunto.
_Deve._não reponde.
_Vem cá.
_Quê?
_Chega mais.
_Assim?
_Não, só falo no ouvido.
_Hum.
_Whtyzxmsmhqrwshd
_Hummm.
_...

sexta-feira, maio 28, 2004

Definidos os finalistas do Prêmio Jabuti 2004

A lista dos indicados em algumas categorias:

ROMANCE: “Budapeste” (Cia das Letras), de Chico Buarque; “Cantos de outono” (Record), de Ruy Câmara; “Diário de um fescenino” (Cia das Letras), Rubem Fonseca; “Um beijo de Colombina” (Rocco), de Adriana Lisboa; “Mongólia” (Cia das Letras), de Bernardo Carvalho; “Pérolas absolutas” (Record), de Heloísa Seixas; “A margem imóvel do rio” (L&PM), de Luiz Antônio de Assis Brasil; “Araã” (Hedra), de Evandro A. Ferreira; “A tarde da sua ausência” (Cia das Letras), de Carlos H. Cony; e “Ugolino e a perdiz” (Cosac), de Davi Arrigucci Jr.

CONTOS E CRÔNICAS: “Mínimos múltiplos comuns”, de João Gilberto Noll (W11); “O vôo da madrugada”, de Sérgio Sant’Anna (Cia das Letras); “Famílias terrivelmente felizes”, de Marçal Aquino (Cosac); “Melhores crônicas” (Global), de José Castello; “Brás” (Boitempo), de Lourenço Diaféria; “Memórias inventadas” (Planeta), de Manoel de Barros; “Pequenos amores” (Objetiva), de José Roberto Torero; “Montanha-russa” (L&PM), de Martha Medeiros; “Do B” (Record), de Eugênio Bucci; e “Ilha deserta — Livros” (Publifolha), de vários autores.

POESIA: “Poesia reunida” (Nova Fronteira), de Alexei Bueno; “Sphera” (Record), de Marco Lucchesi; “Macau” (Cia das Letras), de Paulo H. Britto; “Gaiteiro velho” (Bertrand), de Fausto Wolff; “Metade da arte” (Cosac), de Marcos Siscar; “Caveira 41” (Cosac), de Age de Carvalho; “Só a noite que amanhece” (Record), de Alphonsus de Guimaraens F.; “50 Poemas Escolhidos pelo autor” (Galo Branco), de Anderson Braga Horta; “Máquina de escrever” (N. Fronteira), de Armando Freitas Filho; e “Trajetória Poética” (Escrituras), de Álvaro Alves de Faria.


quinta-feira, maio 27, 2004

Corpo Presente

Livros, DVDs, apostilas, jornais, revistas esperam sua vez. Tantos são, pouca sou. Nesse frio, só tenho vontade de ficar em baixo do edredom, fechar os olhos e viajar.

***

Sábado retrasado, passei o dia devorando Corpo Presente de João Paulo Cuenca. À noite, no Fiorentina, entre um chope e outro não resisti e quebrei a promessa de só dar minha opinião numa resenha oficial. Instigante, transgressor, sugestivo, emocionante, enfim: Literatura.
Ele me surpreendeu, especialmente, pela profundidade de sua escrita, mas também pela generosidade como pessoa. Gente fina, um dos grandes nomes da Literatura contemporânea. Eu recomendo!

***

João, a resenha sai, um dia sai. Enquanto isso, transcrevo algumas_ das tantas_ frases que grifei:

“Mas Alberto nunca vai apagar nada porque as lembranças simplesmente não se apagam, acumulam-se.”

“Está tão perdida quanto eu. Um abraço e me esforço pra tentar entender o que estou fazendo. Não consigo. Talvez consiga depois de ver o filme pronto e montado.”

“Por muito tempo a minha mente retilínea quis entender, e perdi momentos com perguntas, um grande erro.”

“Carmem entrou na categoria de acontecimentos eternos. Define coisas em mim. Sempre se repete, cada vez que se lembra, cada vez mais doce, talvez um pouco menos intensa, mas nunca distante. É uma linha paralela ao real, ao cotidiano.”

“Perdido entre uma vontade enorme de abraçar todas vocês e um enorme medo de perder tudo isso que eu quase tenho.”

“Você percebe que a única categoria de infidelidade realmente existente é a autocometida?”

quarta-feira, maio 26, 2004

Diálogo ao amanhecer

_Eu não te entendo.
_Desiste querido, tento há trinta anos e ainda não consegui.


terça-feira, maio 25, 2004

"Viver é negócio muito perigoso"

"...as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas _ mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou."

"...mas a saudade me alembra. Que se hoje fosse. Diadorim me pôs o rastro dele para sempre em todas essas quisquilhas da natureza."

Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa

sexta-feira, maio 21, 2004

Rumos

Ela se cansou, foi passear com Nietzche, Jung, Clarice, Ligias, Shakespeare, Corbiere, Deleuze, Barthes, Pessoa, Guimarães Rosa.
Ela se cansou, foi passear ao som dos Clássicos, Rock, MPB, Jazz, Blue, Ópera.
Ela se cansou, foi passear em Picassos, Ligias, Rodins, Portinares, Calders, Moores.
Ela se cansou, foi passear na luz branca do poste, desviou da arma na esquina, o sinal abriu, acelerou. Dormiu às duas da tarde, acordou às quatro da manhã.
Encaixotou livros, quadros, Cds. Jogou a calcinha pela janela. Rosa, a calcinha.

Identidade e compromisso pesam. Acordei com a casa despida.

Ela relaxou e foi passear na própria estória.

terça-feira, maio 18, 2004

Afeto

"Só em momentos de afeto avassalador, emergem à superfície fragmentos ou imagens. O sintoma inevitável que acompanha tal fenômeno é o da identificação momentânea do eu com essas manifestações, que são renegadas logo depois. É fabuloso o que se pode dizer movido pelo afeto. Mas todos sabem com que facilidade essas coisas são esquecidas e renegadas... o hábito de interromper o fluxo do inconsciente, corrigi-lo ou criticá-lo reforçou-se pela tradição e pelo medo que se tem de admitir diante dos outros ou de si mesmo a angústia mobilizada pelas verdades insidiosas, compreensões arriscadas e constatações desagradáveis: o receio, enfim, de tudo o que faz o homem fugir de si mesmo como de um flagelo..."

O Eu e o inconsciente, C.G. Jung, ed. Vozes, página 78.

domingo, maio 16, 2004

Reminiscências porosas

O perigo saliva
Goteja, banha códigos,
Destrona por via oblíqua
Espectros de pulsações

Na iminência pressinto
Pressinto não sei o quê
Sinto e deixo vazar
O que não se pode ver

Tento ler nas pegadas
Digitais de impressões,
Expressões marcadas
Em esparsas escavações.

Em algum ponto
Um ponto profundo
Para além do meu corpo
Destravou fluidos

Abriu comportas
Veias expostas
Na sincronia
Do indizível.

sábado, maio 15, 2004

Musica Medieval

Eu os ouvi pela primeira vez no CCBB. O som é Divino. A gente se transporta... Estou falando do grupo que se apresentará amanhã, domingo, às 10h30m no Cine-Arte UFF: Rua Miguel de Frias 9, Icaraí, Niterói. R$ 3,00.
Pedro Hasselmann Novaes (viola de arco, gaita de foles e flauta), _ eu o conheci num seminário sobre filosofia e poesia, filho do poeta Adauto Novaes_ Alcimar do Lago (organeto, flauta e carrilhão), Marcelo Sader (canto) e William Monroy Bentes (gaita de foles e pandeireta). Participação especial: Julia Queiroz (harpa gótica). É um programa de rara beleza e sensibilidade.

quinta-feira, maio 13, 2004

Auguste Rodin*

“Uma mão que pousa no ombro ou na coxa de outra pessoa já não mais faz parte integralmente do corpo a que pertencia: dela e do objeto que ela toca ou agarra nasce algo novo, algo a mais, que não possui nome e não pertence a ninguém;”
“Quanto mais pontos de contato existiam entre dois corpos, quanto mais impacientemente se lançavam uns contra os outros, como substâncias químicas de grande afinidade, tanto mais firme e orgânica era a consistência da nova configuração que formavam”.
“Aqui pulsava a vida, existia mil vezes em cada minuto, existia na saudade e na dor, na loucura e no medo, na perda e no ganho. Aqui havia um anseio incomensurável, uma sede tão grande que todas as águas do mundo nela secavam como uma gota, aqui não havia mentira nem renegação, e os gestos do dar e do receber eram autênticos e grandes”.

“...E são sempre as leis inexprimíveis que regem nossas vidas...”

* Rainer Maria Rilke, tradução de Marion Fleisher, ed. Nova Alexandria.

segunda-feira, maio 10, 2004

A Prosa do Mundo *

"À medida que sou cativado por um livro, não vejo mais as letras na página, não sei mais quando virei a página; através de todos esses sinais, de todas essas folhas, viso e atinjo sempre o mesmo acontecimento, a mesma aventura, a ponto de não mais saber sob que ângulo, em que perspectiva eles me foram oferecidos..."
"Mas essa é exatamente a virtude da linguagem: é ela que nos lança ao que significa"
"Assim, ponho-me a ler preguiçosamente, contribuo apenas com algum pensamento_ e de repente algumas palavras me despertam, o fogo pega, meus pensamentos flamejam, não há mais nada no livro que me deixe indiferente, o fogo se alimenta de tudo que a leitura lança nele".
"Ele se instalou no meu mundo. Depois, imperceptivelmente, desviou os signos de seu sentido ordinário, e estes me arrastam como um turbilhão para um outro sentido que vou encontrar".

* Maurice Merleau-Ponty, tradução de Paulo Neves, editora Cosac & Naify

domingo, maio 09, 2004

Dia das mães

Hoje acordei com três lourinhos cheios de beijos, abraços, sorrisos e flores. Presentes? Claro! Alguns antecipados _não agüentam esperar_ fiquei emocionada com desenhos, caixinhas e toalhas pintados pelos artistas. Os outros, comprados no shopping, eles guardaram a sete chaves. Mas confesso, não me empolgam tanto.
Hoje me espreguicei durante horas, li um capítulo de “A prosa do mundo”, cantei em quarteto, ouvi Mozart, fiz piquenique, andei de patins, joguei banco imobiliário, almocei com minha mãe.
Hoje pensei nas mães que se foram e continuam presentes, nas que estão presentes e são tão ausentes, em Nossa Senhora do Carmo, nas que perderam seus filhos, naquelas que tentam engravidar... antes de o meu primeiro filho nascer, sofri dois abortos espontâneos em inicio de gestação _ a dor da perda, as dúvidas sobre possibilidades futuras, medo, todos os sentimentos misturados, instaurando o vazio. Penso nas mulheres que vivem experiências semelhantes. Penso agora, porque amanhã, não vou me lembrar disso.
A maternidade nos trás descontrole, intensidade, intimidade, generosidade. Aprendi o que é amor incondicional com meus filhos. Eles amam tudo nos pais; a temperatura da pele, o cheiro, as bobagens que fazemos. Amam com o olhar, com abraços de fechar os olhos, com devoção. Eu desconhecia um amor dessa natureza. Amo-os e tento aprender com eles, a cada dia, essa entrega sem cobranças. Tantas coisas a viver...

Encerro com uma receita de especial significado para mim:

“Chocolate com leite

Ingredientes:

3 xícaras de leite do amor
10 kg de honestidade
1 pitada de carinho
100 gotas de paixão
100 kg de união
1kg de “me levar para a escola”

Modo de Preparo:

Botar o leite do amor na panela e esquentar. Colocar uma pitada de carinho e cortar em pequenos pedaços 100kg de união, depois acrescentar ao leite. Esperar 10 minutos. Juntar 10kg de honestidade, 100 gotas de paixão e 1 kg de “me leva para a escola”. Guardar na geladeira e beber com um canudinho.”

Rodrigo Marins

sábado, maio 08, 2004

Poema Enjoadinho

Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!


Vinícius de Moraes

quinta-feira, maio 06, 2004

Fernando Sabino

Fragmentos da crônica "O papel em branco", do livro "No fim dá certo se
não deu, é porque não chegou ao final":


"Escrever é fácil", afirma o escritor americano Gene Fowler, "basta que você
se sente e fique olhando para o papel em branco até que o sangue comece a
porejar da sua testa."

Red Smith: "Não há nenhuma dificuldade em escrever. Tudo que você tem a
fazer é sentar-se diante da máquina e abrir uma veia".

Trumam Capote: "Quando Deus dá uma vocação, dá também um chicote. E o
chicote serve apenas para a autoflagelação. A princípio era divertido.
Deixou de ser quando descobri a diferença entre escrever bem e escrever mal.
E então fiz uma descoberta ainda mais alarmante: a diferença entre escrever
bem e a verdadeira arte. É aí que entra o chicote."

" Tom Jobim me conta que às vezes fica o dia inteiro tentando arrancar do
piano alguma coisa que não sabe o que seja, escondida atrás da repetição
insidiosa, durante horas, de uma mesma tecla... Assim talvez tenha nascido
seu Samba de uma nota só."
" Chico Buarque me disse: depois de perseguir ao violão até o desespero uma
frase melódica que sabia existir mas não sabe qual seja, abandona o
instrumento e vai tomar banho para refrescar a cabeça. Então, sob o jorro d'
água, vem-lhe de súbito a inspiração tem que sair correndo, enxugar-se às
pressas... Já pensou seriamente em descobrir uma maneira de levar o violão
para debaixo do chuveiro."
" Perguntaram a Faulkner quantas vezes em geral ele reescrevia um texto.

_ Umas trinta pelo menos."

"Já é um consolo para quem às vezes gasta trinta, quarenta folhas para
acabar aproveitando apenas quatro".

quarta-feira, maio 05, 2004

Terceira Presença




Fotos, livros, mesa, tudo
observava e delatava.

Dedos mínimos,
avessos à vigilância,
transpiravam
luz, seda, vinho
crispavam paredes
em carne-viva

A sala enfiava o dedo
na cara e cobrava,
servos obedeciam.

Beleza e conflito
vazaram silenciosos.

Fotos, livros, mesa,
tudo no mesmo lugar;
do lado de fora eu ouvia
aplausos de quem não se permitia.




terça-feira, maio 04, 2004

Eu não sabia...

que os filhos me dariam a oportunidade de reviver partes da infância e desatar nós que eu não tinha consciência sequer da existência.

FISIONOMIA

não é mentira
é outra
a dor que dói
em mim
é um projeto
de passeio
em círculo
um malogro
do objeto
em foco
a intensidade
de luz
de tarde
no jardim
é outra
outra a dor que dói

Ana Cristina César *

* Era poeta, tradutora e ensaísta. Nasceu no Rio de Janeiro, em 1952. Viveu entre Niterói, Copacabana e os jardins do velho Bennet.

domingo, maio 02, 2004

Casa da Flor

Ontem fui à Casa da flor. Ouvi o sonho do Gabriel contado pelas palavras de seu sobrinho, o Valdeci. Eu me senti dentro de um conto de fadas naquela beleza de quatro cômodos. Fiquei arrepiada! Emocionada! Encantada! É uma experiência que guardarei, para sempre.

Há dois meses escrevi o texto abaixo no blog antigo:
Chapéu de palha, negro, mãos cinzentas, voz calma e um olhar que fica difícil desviar. Esse foi o primeiro contato que tive – vídeo – com Gabriel Joaquim dos Santos numa exposição. Para completar, cantos gregorianos ao fundo.
Uma casa em forma de poema, ou um poema calcificado de vida? A casa da flor, construída unicamente por Gabriel Joaquim dos Santos e localizada em São Pedro D’ Aldeia, é uma obra-prima que rompe a linha de exclusão estética social. A arquitetura do brasileiro, funcionário de salina, é comparável às grandes: tais como o Palácio Ideal de Ferdinand Cheval, as de Gaudí, Jujol, a casa de Clarence Schimidt, Raimond Isidore, as torres Watts de Simon Rhodia etc.
Uma arquitetura de encantamento! Quem quiser saber um pouco mais sobre esse grande mestre - que deixaria Dali ou Breton extasiados - pode visitar o site. Prefiro registrar algumas frases que anotei:

“ Isso tudo foi feito por pensamento e sonho”.
“É caco, é caco, mas isso é coisa de muita importância...”
“Eu não tive mestre, aprendi no ar, aprendi no vento”.
“ Minha vontade foi tão grande quanto essa rocha”.
“ Uma pessoa vem com um azulejo, eu boto. Vem com um caramujo, eu boto. Não vai terminar nunca... meu pensamento é vivo...flor de pedaço de pedra porque eu quero que fique aí. Quero fazer que não se desmanche. A chuva bate, lava, é sempre uma sempre-viva.”
“A ferramenta é as minhas mãos e um alicate...Isso foi um sonho.”
Gabriel Joaquim dos Santos